Moradores denunciam falta de transparência em obra do novo aterro sanitário de Manaus

Deputado Amom Mandel visitou casas que ficam a menos de 100 metros do “puxadinho” do lixão e anunciou que vai acionar órgãos de controle para investigar legalidade da obra

A cerca de arame farpado foi o único aviso que moradores da Rua Rio Umari, no bairro Lago Azul, Zona Norte de Manaus, receberam antes de descobrirem que um novo aterro sanitário seria construído a menos de 100 metros de suas casas. Desde julho, às famílias convivem com a incerteza sobre o futuro e denunciam a falta de diálogo da Prefeitura de Manaus, que iniciou as obras sem qualquer consulta pública. O espaço é apontado por eles como uma espécie de “puxadinho” do antigo lixão da cidade, que deve entrar em operação ainda em 2025.

As denúncias chegaram ao deputado federal Amom Mandel (Cidadania-AM), que acionou o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Amazonas (MPAM) e o Tribunal de Contas do Estado (TCE-AM) para apurar a situação. O parlamentar informou que levará o caso à Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, com pedido de visita técnica ao local.

“Não houve consulta à população, como exige a legislação ambiental. É preciso transparência e respeito às pessoas que vivem ali. A Prefeitura tenta esconder um problema que afeta diretamente a vida das pessoas. Essa obra começou sem qualquer diálogo com quem mora ali e sem cumprir o que determina a legislação ambiental. As famílias estão sendo tratadas como se não existissem. O mínimo que se espera é transparência, respeito e escuta. Não dá pra seguir empurrando os impactos ambientais e sociais para baixo do tapete”, declarou Amom.

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Famílias ignoradas em dados apresentados à Justiça

O antigo lixão de Manaus deveria ter sido desativado em 2014, conforme determinações judiciais. No entanto, após uma série de reviravoltas jurídicas, a prefeitura apresentou a expansão do atual aterro como solução temporária, com validade até 2028. O Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) já havia se posicionado contra a expansão do aterro, por risco de agravar danos ambientais.

Enquanto as decisões tramitavam nos tribunais, as mais de 100 famílias que vivem no entorno não foram informadas sobre o que seria feito do espaço — e até hoje o local não possui placa de identificação da obra.

Entre os moradores, o clima é de apreensão. O auxiliar de manutenção predial Francisco Júnior, morador da área há mais de 15 anos, relata que a derrubada da mata para as obras provocou o deslocamento de animais silvestres para as residências. “Cutias, macacos, cobras… todos começaram a aparecer nos quintais depois que devastaram o terreno”, contou.

Assim como ele, outros moradores afirmam que nenhum representante da prefeitura ou das empresas envolvidas procurou a comunidade até o momento. A única fonte de informação, dizem, veio de reportagens e propagandas que vendem o projeto como exemplo de sustentabilidade.

“É uma grande mentira. O prefeito está querendo mostrar um grande projeto, mas na verdade o que ele está fazendo aqui é nos maltratando. O que ele está fazendo aqui é nos humilhando. Em nenhum momento ele nos procurou, ele não fez nenhum estudo, nenhum levantamento. A gente não sabia nem de fato se era isso mesmo que ia ser feito. Aí de repente ele vem mostrando esse projeto maravilhoso aos olhos dele, mas que na verdade aqui para nós, isso é um verdadeiro filme de terror”, desabafa Francisco.

Monitoramento de poços não ocorre a 3 anos

Nos documentos apresentados ao Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), a Prefeitura de Manaus afirma que o projeto emergencial está em planejamento desde dezembro de 2023, a pedido da Secretaria Municipal de Limpeza Pública (Semulsp). Segundo os dados enviados, o novo aterro deverá receber 2.369 toneladas de resíduos por dia. O estudo técnico também menciona o monitoramento geotécnico e ambiental antes, durante e depois da operação, com 18 pontos de coleta de água subterrânea.

Na prática, porém, moradores dizem que nenhum teste de água é realizado há pelo menos três anos. O risco de contaminação preocupa, especialmente porque a comunidade depende de poços artesianos para consumo.

“Aqui não tem água encanada. Em todas as casas a gente faz uso de água de poço. Com a proximidade dessa lixeira, com certeza vai piorar. Isso vai afetar a vida de todos os moradores do ramal”, alertou Francisco.

Outro ponto sensível é o igarapé que corta a comunidade, cercado pela área do novo anexo. O córrego serve de abrigo para animais e de fonte de água para moradores, mas pode ser diretamente afetado pela expansão do aterro. A preocupação se soma à possível proliferação de animais peçonhentos e à desvalorização dos imóveis com o aumento do odor e do ruído da operação.

O aposentado Jefre Hiane, que vive com o tio idoso em uma das casas mais próximas ao aterro, conta que precisou parar de consumir a água do poço da residência. “Do poço até o lixão não dá nem 60 metros. Eles dizem que é moderno, que tem quatro camadas de impermeabilização, mas a gente sabe que não é assim. Por mais que o prefeito diga que cumpre todas as normas, se for ver não é assim que funciona. A gente não vai confiar”, afirma.

Prefeituras insistem no erro

Para Amom, a insistência em projetos executados de forma improvisada é uma afronta à população. O parlamentar, que deu parecer contrário ao Projeto de Lei nº 1.323/2024, que tenta estender o limite para encerramento dos lixões em municípios com menos de 50 mil habitantes, defende que o Brasil precisa garantir um destino social e ambientalmente correto para os resíduos sólidos, sem recorrer a novos adiamentos que comprometem a saúde pública e o meio ambiente.

O deputado lembra que a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), sancionada em 2010, concedeu prazos amplos para que estados e municípios se adequassem às normas para aterro sanitário. No entanto, sucessivas postergações acabaram alimentando uma lógica de impunidade e descaso, mantendo abertos milhares de lixões em todo o país.

“O que acontece em Manaus é o retrato do que se repete em todo o país: a falta de planejamento e o desrespeito à lei. O Brasil teve mais de uma década para encerrar os lixões, mas muitos gestores escolheram empurrar o problema para frente. Cada novo prazo é um prêmio à má gestão e um castigo às comunidades que vivem no entorno desses locais. Em vez de improviso, precisamos de transparência, diálogo e soluções sustentáveis — como aterros regionalizados, coleta seletiva e reciclagem. Isso é o mínimo que a população merece”, reforçou Amom Mandel.